quinta-feira, 30 de abril de 2009

Fugacidades Noturnas


No etéreo mundo arpoado me encontro.

Fulguras num plano embaçado qual espelho ofuscado.

Segues no encalço da presa pela madrugada adentro com teu manto de pavão.

Como caçador destemido e descaradamente desprovido de uma arma que possa conter a tua fúria, esgueira-se entre as plumas e paetês.

Camufla tua máscara distorcida com o manto negro da noite para obter mais facilmente teus intentos imprudentes.

Qual camaleão passeia por entre as apolônias com seu multifacetado cinismo.

Vez por outra fisga um olhar condoído, mas a todo momento, tu é que é fisgado pelo sedutor ramo do desejo - livre, trépido, traiçoeiro - a enfeitiçar teu mundo e tu mergulhas profundamente em tua própria insensatez.

Então já é tarde para redimir-se, pois seu invólucro contagiado não pode conter-se.

A aventura puramente carnal perpetua-se num vazio intermitente de muita fantasia e ilusão.

Que fazer diante desse modo gritante de encarar a existência?

Fútil modo.

Engodo fácil e inadmissível.

Vulnerável e fugaz.

Lança-se em meio a conquistas desperdiçadas e desnecessárias e mesmo realizando teu profundo orgasmo, paira no ar a falta do nada dentro do abismo incomum e colossal que fingimos inexistir.

Eis que o mundo simpático vive numa teia processando fios invisíveis e incalculáveis de puro teor orgíaco. Tu é elegido exímio tecelão.

A loucura - filha despudorada e emergente candidata escolhida pela maioria - corre célere entre o desejo alucinado e o prazer desmedido derrubando e atropelando o dever, o respeito e a sensatez.

O pavão continua espalhando suas cores e texturas pelo salão, o maître da casa espera sua presa para abatê-la com seu vigor e furor e o desejo grita alto seu hino no meio da delirante noite de sábado.

Continuo preso no etéreo questionando justamente o valor do vazio para os "vampiros da noite".


sábado, 25 de abril de 2009

O violino e a paixão

Um ensaio de vozes saindo do ninho, aquecidas por um impulso fervoroso e sangüíneo. Preparativos para um ritual mágico de cunho didático. Envolvidos num processo cheio de viezes e abarcando um conjunto de pensantes, acima de tudo, amantes da sábia e velha arte. Dos que representam suas intencionalidades projetadas no arcabouço de uma estrutura física. Daqueles totalmente absorvidos pelo estrépito sinuoso de tocar a alma pelo simples contato com as cordas dos instrumentos.

Entre tantos pensantes, eis que se figura um apaixonado pelas teorias, de comportamento aquietante, com um instrumento nas mãos.
Passam dias. Dias passam. Começo então a manter uma séria afinidade com o instrumento de som marcante. A princípio parecia ser apenas um simples violino, engraçado, inteligente, divertido. Além disso, descobri que esse violino não é tão simples assim.
Possuidor de um espírito questionador, ativo e perspicaz, objetivo pelo menos ao que parece.

Maestria no contato físico com o seu toque em cada acorde de som.

Sempre gostei de sensibilizar-me com a música, especialmente com os instrumentos de corda. Sei que o destino, o tempo e a vida são construções de um teor de decisão de cada vivente. E por isso, imbuído do desejo irrefreável de estudar todos os pormenores desse clássico e lindo instrumento, me pus a observar sua constituição física, suas curvas, suas cordas, a sua acústica, o seu percurso na história.

Ciente da existência dele, eu posso crer na possibilidade de um caminho de prazer, de alegria, de convivência. Quem sabe tocando profundamente nas cordas do seu ser tão sensível eu possa produzir um som puro e harmonioso e cante com minha alegria essa conquista?

Quero certamente ser agraciado com uma execução perfeita. Senão perfeita, ao menos eivada de um conceito que eleve a minha alma.

Sempre quis saber sobre a brevidade da vida, mas percebo que precisamos viver cada momento. Quero vivê-los com você e sair por aí me arriscando nos emaranhados da estrada.

A paixão não é um fogo agradável, consome nossos momentos de forma avassaladora. Quer dominar e tem medo do imprevisível. Cria desenhos irreconhecíveis na mente da vítima e acaba por destruir o alvo e sua presa. Que essa flama não pense sequer em dar repouso no meu propulsor vital. Gosto sim de um ritmo natural, passo a passo sendo conquistado, conhecimento quotidianos.

Solidão Literária.



ESTOU SOZINHO.

EM MEIO A UMA NUVEM DE PENSAMENTOS

DILACERADAMENTE, SOU IMPELIDO A RASGAR

O VÉU DO MEU PESAR, A PULSAR O VERBO

DA MINHA CARNE, A RANGER SILENCIOSAMENTE

O UIVO DO MEU DESEJO, A CALAR DIANTE DO MEU

HORROR TÃO ACABRUNHADO.

NO SILÊNCIO INCONTIDO EMERGE A VOZ DE TODAS

AS VOZES SEQUIOSAS POR UM SIBILAR ECOANDO

NO LIMIAR DO TEMPO.

ESTÁTICO,

OBSERVO AO MEU REDOR.

NÃO HÁ NADA.

OLHO NOVAMENTE.

CUSTO A ACEITAR.

ESTOU SÓ.

À MINHA FRENTE SOMENTE VEJO

DUAS PILHAS DE LIVROS DESORDENADOS.

CADA PILHA EM SUA ESTRUTURA DISFORME

ENLEVA-ME,

DISTRAI-ME EM SUA DISPOSIÇÃO ASSIMÉTRICA.

DIVAGO DIANTE DA POSSIBILIDADE DA REFLEXÃO

ACERCA DO CONTEÚDO.

OUÇO APENAS CADÊNCIAS RÍTMICAS DO CORAÇÃO

MISTURADAS AO MOVIMENTO PULSANTE DA MINHA

RESPIRAÇÃO.

MEUS PENSAMENTOS VOAM.

QUERUBIM DOS MEUS AFAGOS,

ÂNSIA DAS MINHAS INCERTEZAS,

PARÂMETRO DO MEU FUTURO.


CONTINUO SÓ.

OS LIVROS ENTOAM UM CÂNTICO DE SÁBIAS VOZES.

CONVIDAM MEUS PENSAMENTOS A APORTAREM NO

RECÔNDITO PAPEL

SOU TRAGADO POR SUAS PÁGINAS.

VIRO HISTÓRIA PARA OUTROS SOLITÁRIOS NA NOITE.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O Sopro, Chronos e o Devaneio

Somente um sopro. Ofegante, tento aos poucos recuperar o fôlego diante de tamanha agonia que perpassa muito além do simples instante, esse filho do tempo, devorador dos segundos.

Linha tênue como a que vemos ao longe diante do horizonte a separar a morada das nereidas, império do rei Netuno, do diáfano azul, a imensidão celestial, redoma do orbe que agrega como companheiras as miríades de gotículas de água em forma de vapor a condensar-se sorrateiras na atmosfera.

Muito além do portentoso e complexo conjunto de conjecturas, o elemento constante das minhas construções mentais conscientes, num só átimo, estanque, se dissipa. Como a última gota de um rubro líquido de uma veia cerebral recém-cortada.

O movimento que até então se dissipara, recomeça intenso contemplando nesse ínterim uma nova instância. Parece corriqueira, familiar, mas projeta seus anseios e reflete uma concretude estranha que me enleva a posição de aventureiro, simples mortal na casa de Chronos, esse detentor das chaves do tempo.

Este ancião aparentando um jovial moço aproxima-se decidido, mas quando eu estava de prontidão a esperar pela sua reprimenda por estar em seus domínios, indelevelmente, ele foge. Eis que os meus secretos processos inconscientes emergem; regurgitam involuntariamente causando assombro. Fico ali à mercê dos seus caprichos.

Surge no vão estreito desse incontido sentimento labiríntico, emaranhados de dúvidas, de porquês e quês sufocando a mente sem sossego na ânsia tremenda por obter respostas.

Cá nesse mundo conturbado sou prisioneiro. Nada se conecta de imediato. As conexões aos poucos são projetadas numa tela imensa, de proporções assustadoramente gigantescas, onde se instalam milhares de imagens montadas que se auto-destroem ininterruptamente para formar novas e incompreensíveis estruturas, semelhantes a um caleidoscópio. Num movimento único, de repente, as mesmas imagens se auto-congelam para somente reiniciarem seus movimentos a partir do acaso permitido por alquimia do tempo, recôndito, incógnito, impossível.

Cada tentativa de sorver o ar me arrebata. Um som distante, quase imperceptível chega aos meus ouvidos. Paulatinamente percebo a presença de alguém, mas não posso captar imagem alguma com meus olhos, apenas traduções fragmentadas de imagens totalmente embaçadas à minha frente. Automaticamente sou impelido a refletir acerca de quem sou. Aquela conturbada sensação fez estremecer a estrutura desse homúnculo, vítima da ampulheta, reduzido a trezentos mil estilhaços de gente ao ser arremessado contra aquela parede de poeira cósmica que Chronos ajunta com os pés.

Aparece uma imagem na tela. Como mágico momento, percebo triste que agora sou mil, ou melhor, trezentos mil pedaços colados de maneira disforme sob a tela. Capto uma nova atmosfera quando levanto meus olhos ao infinito. Estou num arpoador. Um lugar triste, solitário e incomensurável para um mortal se aventurar sozinho. Em meio a essa nova paisagem, ouço a minha voz: “Que conflito é esse que construí diante do templo do tempo, esse mago de passos ligeiros que congelou os ponteiros do meu ancestral contador de histórias insanas e mágicas? Vou dormir um pouco, talvez eternamente. Quem sabe se nesse espaço de tempo, o mago do orbe, um dia não acorde ao meu lado e me acompanhe no arpoador?”

Em determinado flash de fuga reportei-me ao mesmo local repleto de novas e encantadoras atmosferas. Uma algaravia imensa colocou-me em total prontidão. Num arrebol fantástico, entes luminosos surgiram no céu fazendo piruetas esvoaçantes, desfilando suas cores e produzindo formas majestosas com suas luzes coloridas que seduzia o ar, o mesmo combustível que me fez agonizar. O mar aplaudia aquele espetáculo e parecia agradecer com um largo sorriso ao deixar refletir em seu espelho magistral os incontáveis pontos de luz que essas mesmas imagens produziam.

Observo vagarosamente cada ponto de fuga movendo-se rapidamente numa convergência nítida a formar novamente a imagem total, o arpoador. Outra vez sinto uma familiaridade, porém não consigo perceber esse pertencimento. Os entes transitam pelos ares sem esboçar sequer um mínimo cansaço. Eu, cá estou parado. Parece que fui de algum modo congelado. Meus sentimentos represados imploram por uma vazão. Nenhuma expressão.

Os meus olhos conseguem ver outras criaturas, mas elas estão desfocadas, distantes. Inalcançável semelhança que perpetua no meu cérebro. A imagética semelhança porventura martela sem parar seguindo uma curva desconhecida. Paulatinamente vou descortinando os meus referencias do mundo de lá. Cá estou. Além e aquém de mim mesmo. Apenas um sopro. Um longo suspiro sôfrego no meio do vento sufoca meu maior desejo e vivo cada segundo agonizando nesse meio aquoso. Olho para o cume da montanha e avisto Chronos. Em seguida meu fôlego foi diminuindo cada vez mais e quase sufocando, acordei todo suado. Ufa! Era apenas um sonho.