terça-feira, 29 de novembro de 2011

Exercício Sobre o Sentido da Arte - via E-mail.

Esse texto foi um exercício realizado a partir de um texto escrito por Adriano Soares (Trechos em vermelho) sobre o sentido da arte e na perspectiva da criação de uma fundação. Os trechos em negrito são desse que vos escreve. Por email:


"Li o seu trabalho sobre o sentido da arte - muito bom por sinal. Segue um resumo do mesmo reiterando alguns trechos que a meu ver são essenciais à reflexão acerca do conceito de arte em nossas vidas e da possibilidade de ampliação integral do sentido de arte associado diretamente ao significado humano da existência, ou seja, a arte está diretamente associada ao ser humano como essência intrínseca e universal. Os escritos em negrito são considerações minhas.



Versa que, para se ter uma definição exata de qualquer coisa, seria necessária a definição de todas as palavras usadas na definição e assim até o infinito, o que, na prática, seria impossível. Radical, mas tentadora.

Definir a arte de modo preciso é praticamente impossível, pois assim como conhecer a alma humana em toda sua punjança e pormenores torna-se algo impraticável, ousar delimitar a expressão artística é criar barreiras a sua expansão. Esse ponto serve de reflexão inicial ao projeto de criação da fundação. Precisamos estabelecer uma urgente consciência do verdadeiro significado de exercitar nosso poder de criação perante o universo através da atitude coerente do encontro de mentes em torno de um foco compartilhado por todos os integrantes.

Analisemos a arte como uma manifestação humana, um duplo e até que se consiga entender profundamente a humanidade, não será vantajoso buscar uma definição para a arte, antes, através dela, buscar entende-la e à natureza humana.

A arte como manifestação do ser humano produz uma certeza inexorável do contingente de percepção acerca da necessidade de discussão para elaborarmos estratégias que facultem o desenvolvimento das habilidades potenciais do outro num mecanismo constante de promoção do autoconhecimento e da consciência do ser cidadão em todas as suas instâncias. A Fundação pode e deve intermediar esses processos de facilitação para o progresso do exercício da expressão artística em sua dimensão macro.

a arte da verdade interior, da necessidade, da comunhão. Arte, se faz com o coração e não com teorias.

A crença inabalável de que "a verdade nos libertará" pode trazer em seu bojo contextual um ranço religioso, um axioma pautado em princípios de teor fundamentalista, porém a assertiva contempla uma ampla carga filosófica que a maioria da humanidade compartilha, pois a verdade expressa o sentimento de quem a conduz de maneira transparente facultando uma eficácia da comunicação que por sua vez promove equilíbrio e harmonia, enfim produz interação efetiva. A Fundação deve pautar seus fundamentos na Verdade de cada um para realizarmos o passoapasso da nossa construção com a certeza de uma base sólida. Se colocarmos nossos corações disponíveis nesse processo faremos a diferença. As teorias serão válidas, mas servirão como estofo para a concretização de nossas metas. Quiçá criaremos nossas próprias teorias!!! 


A percepção do outro é importante, porque faz parte do outro e é bela, por ser uma percepção. Não é nocivo a arte ser diversa, como as percepções...


Atentarmos para a importância constante da percepção do outro para alcançarmos a percepção do todo. O respeito à diversidade, seja ela concernente a qualquer setor de crença, etnia, opção sexual ou no âmbito das idéias, tornar-se-á imprescindível para o desenvolvimento satisfatório de nossas percepções. "Um mais um é bem mais que dois".

Essa pluralidade de leituras demonstra diferentes provocações, todas válidas.

A diversidade provoca, às vezes, divergências que deverão ser conduzidas com parcimônia e cautela para não evadirmos por caminhos desencontrados e trajetórias pessoais. No entanto, faz-se necessário afirmar a potencialidade das infinitas leituras advindas desse exercício, elemento vital para a construção de metas, estratégias e objetivos a serem traçados pela Fundação.

por ser a obra de arte a expressão de alguém que busca se comunicar, mostrando de si para o outro, e esta coragem, esta exposição, merece respeito e louvor.

A expressão artística condensa vias de acessibilidade oriundas de vertentes, muitas vezes, díspares, porém, a confluência dessas informações perpassam níveis de conhecimento de extrema importância para o exercício do fazer artístico como expressão do fazer humano. Contemplar a coragem de cada participante no ato da entrega como atitude solidária é fator determinante de agregação do coletivo.
A arte nasceu antes da crítica e da conceituação da arte. Tem a idade da humanidade ou até mais, a depender do que se aceite por início da humanidade. Sempre foi uma forma de expressão que buscava comunicar. Sempre foi importante, válida.

Creio ser essencial dentro do processo de formação da Fundação a certeza de que é preciso sempre criarmos o hábito de efetivar em todos os momentos a comunicação, seja interna ou externa. A comunhão do grupo favorecerá o desenvolvimento de um organismo resistente, integral e abrangente, catalisador de inovações na busca de soluções para as temáticas escolhidas no âmbito sócio-educativo e artístico.

Tentemos então, ver a arte nas coisas.

Busquemos então ver a Fundação a partir de um viés açambarcado na verdade humana tendo como objetivo precípuo o progresso do ser a caminho do autoconhecimento através da arte.

É possível sim, ver a arte em todas as coisas e a todas elas dar o nome de arte, porque a arte vem das coisas e das pessoas.

A arte vem das coisas e das  pessoas. Tudo que possuímos no avançado mundo das tecnologias é obra da força de vontade de algumas pessoas que quiseram fazer a diferença, se destacaram porque o pensamento geralmente estava concentrado na busca de uma solução em prol do todo. Façamos disso uma meta essencial de nossa verdade enquanto grupo.

Ver arte em tudo é mais útil à sociedade do que buscar definir-la de alguma forma.

Façamos de nossa corrente uma ponte para a construção da cidadania. Vamos fazer valer a pena criando meios para a sustentabilidade da criação artística como um ideal para a transformação social como um todo.

Acho que o culto à arte como parte integrante da vida, legítima em todas as formas, seria o caminho mais artístico, no sentido mais poético, de melhorar o mundo, de educar o mundo, de pensar e repensar. No dia em que houver a compreensão que somos todos artistas, sem distinção, todas as coisas serão mais belas, ou mais feias, contudo melhores.

Creio na certeza de podermos contribuir para a construção de um mundo melhor. Auxiliar a população a adquirir consciência de seus direitos, buscar o conhecimento necessário para multiplicar entre aqueles que se interessam em aprender a pescar para a formação de um povo brasileiro mais preparado, mais humano e que compartilhe da sensibilização proposta pelo exercício da arte em nossas vidas. Belos ou feios, porém mais humanos".

Dica: O Curioso Caso de Benjamin Button

O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON

É evidente a grande diferença entre o conto "O Curioso Caso de Benjamin Button" e a adaptação cinematográfica homônima. A versão em quadrinhos, por exemplo, baseia-se muito mais na história original do que o filme.

Pensando tanto na versão para os cinemas quanto no texto de F. Scott Fitzgerald, Vinicius, do Molho Vinagrete, fez uma interessante comparação, enumerando grande parte das diferenças:
- O ano de nascimento de Benjamin passa de 1860 para 1917;
- O pai de Benjamin passa a ser Thomas Button, em vez do Roger Button do conto;
- A família Button reside, no conto, em Baltimore, mais ao sudeste dos EUA, e Benjamin nasce no Maryland Private Hospital, enquanto no filme tudo pula para New Orleans, bem mais ao sul;
- Benjamin nasce um velho cabeludo e barbudo e de tamanho adulto, no conto - por mais que seja deveras bizarro o nascimento de alguém desse tamanho. No filme, é um bebê-velho que parece ter saído do Exorcista;
- O humor irônico do velho Benjamin, as compras de roupas infantis para o velho e as conversas amigáveis com o avô não existem no filme;
- No conto, Benjamin é criado pelo pai - a contragosto - e não existe nenhuma Queenie e nem sessões de exorcismo;
- A fábrica de botões original leva o nome do pai de Benjamin: Roger Button's. No filme ela vira Button's Button;
- O amor impossível, sentimentalista e trágico do cinema só existe mesmo no filme, assim como a personagem Daisy. No conto, o grande amor da vida de Benjamin é Hildegard Moncrief, e a história acontece de um modo realmente diferente, já que Benjamin só conhece a moça quando tem 20 anos (ou seja, a aparência de 50), e depois acaba por abandoná-la, dada a crescente diferença entre suas idades. Benjamin simplesmente se cansa de ter uma esposa cada vez mais
velha e sai para frequentar festas e sair com garotas mais novas - e de fato Hildegarde vai para Nova Iorque, mas os dois nunca mais se vêem;
- No conto também não existe diário ou narração póstuma ou até mesmo uma Daisy - ou Hildegarde - velhinha. A narrativa acompanha simplesmente a trajetória de vida de Benjamin;
- O Benjamin do conto torna-se um herói de guerra, e não um sobrevivente desta;
- Benjamin também não tem uma filha chamada Caroline, mas sim um filho chamado Roscoe Button, que acha que é uma brincadeira de muito mau gosto o fato de o próprio pai ficar rejuvenescendo por aí;
-No conto, a mentalidade de Benjamin acompanha a sua faixa etária, como se tratasse de um "desamadurecimento", e no filme a mudança se dá apenas por fora;
- Por fim, no conto, o Benjamin bebê é criado por uma babá qualquer, e não por Hildegarde, Daisy, ou seja lá quem for essa.
http://www.viscerasliterarias.com/2009/02/benjamin-button-diferencas-entre-filme.html

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O Sapato do Meu Tio - Impressões.

Fiz essa análise em 2007, quando fui assistir pela primeira vez ao espetáculo no Teatro XVIII.
Remexendo nas minhas gavetas encontrei-o e resolvi dividir com vocês minha opinião.

A peça O Sapato do Meu Tio, parceria de Lúcio Tranchesi e Alexandre Casali na interpretação e direção afinadíssima e muito sensível de João Lima é muito interessante, pois foi construída a partir da técnica de Clown e surpreende por conta da visceralidade dos atores, pelo domínio da técnica e pela poesia contida nas ações.

A peça retrata a história de um velho palhaço mambembe, que sobrevive apenas da arte de representar e convive com o sobrinho, seu aprendiz atrapalhado que faz tudo para conseguir ser como o tio. Mas, certamente o mote da peça não fica centrado nisso: a encenação nos mostra alguns pontos interessantes, como a questão da transitoriedade da vida, do aprendizado que passa de geração a geração e o que eu acho mais importante: a paixão pela arte acima de qualquer obstáculo.

Sem diálogos verbais, tradição dos espetáculos clownescos, a estrutura favorece e muito a interpretação dos atores que realmente dominam o universo clownesco e se destacam, evidentemente.

O cenário é bem simples: uma carroça típica de artistas mambembes está instalada no meio do palco e todos os elementos cênicos de que os personagens fazem uso encontram-se dentro da mesma. Em certo momento, para mostrar a passagem do tempo, a carroça faz alguns movimentos em torno do seu próprio eixo, ponto positivo para a direção que soube utilizar bem esse elemento como efeito de tempo em rotação. Outro momento exemplar diz respeito ao final da peça em que utilizaram um telão com uma imagem ao fundo. Recurso muito interessante que reforça o conceito a ser passado.

A música do espetáculo teve a direção de Jarbas Bittencourt. O instrumento que tem predominância na apresentação é uma clarineta e consegue efetivamente realizar um trabalho excelente, pois a música reforça o efeito clownesco com momentos bem definidos de temas circenses e também com o caráter de transição de tempo, pontuando a ação. Enfim, acho que a música consegue desempenhar bem sua função como elemento de reforço na ação.

A iluminação foi bem resolvida de maneira simples. Os elementos utilizados para a iluminação se integram ao ambiente que é a situação mambembe de dois palhaços em um ambiente natural e externo.

Outro elemento importante a se frisar diz respeito a utilização de elementos circenses, como malabares, patins, pernas-de-pau que compõem a cena. Ótimo efeito no conjunto do espetáculo, já que ele é uma bela homenagem ao universo do palhaço.

Vale a pena conferir esse trabalho, pois tanto artística quanto tecnicamente tem um resultado excelente e bem elaborado. Sinal do apuro e domínio dos artistas e técnicos envolvidos no mesmo.

Parabéns João Lima pela sua sensibilidade e criatividade. Parabéns a Lúcio Tranchesi e Alexandre Casali pelas belíssimas interpretações. Parabéns a todos que assistiram e se emocionaram. Tenho absoluta certeza que ao sairem da sessão vocês carregavam uma nova chama dentro do peito. A vocês que ainda não assistiram, não percam, pois é maravilhoso.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Fugacidades Noturnas


No etéreo mundo arpoado me encontro.

Fulguras num plano embaçado qual espelho ofuscado.

Segues no encalço da presa pela madrugada adentro com teu manto de pavão.

Como caçador destemido e descaradamente desprovido de uma arma que possa conter a tua fúria, esgueira-se entre as plumas e paetês.

Camufla tua máscara distorcida com o manto negro da noite para obter mais facilmente teus intentos imprudentes.

Qual camaleão passeia por entre as apolônias com seu multifacetado cinismo.

Vez por outra fisga um olhar condoído, mas a todo momento, tu é que é fisgado pelo sedutor ramo do desejo - livre, trépido, traiçoeiro - a enfeitiçar teu mundo e tu mergulhas profundamente em tua própria insensatez.

Então já é tarde para redimir-se, pois seu invólucro contagiado não pode conter-se.

A aventura puramente carnal perpetua-se num vazio intermitente de muita fantasia e ilusão.

Que fazer diante desse modo gritante de encarar a existência?

Fútil modo.

Engodo fácil e inadmissível.

Vulnerável e fugaz.

Lança-se em meio a conquistas desperdiçadas e desnecessárias e mesmo realizando teu profundo orgasmo, paira no ar a falta do nada dentro do abismo incomum e colossal que fingimos inexistir.

Eis que o mundo simpático vive numa teia processando fios invisíveis e incalculáveis de puro teor orgíaco. Tu é elegido exímio tecelão.

A loucura - filha despudorada e emergente candidata escolhida pela maioria - corre célere entre o desejo alucinado e o prazer desmedido derrubando e atropelando o dever, o respeito e a sensatez.

O pavão continua espalhando suas cores e texturas pelo salão, o maître da casa espera sua presa para abatê-la com seu vigor e furor e o desejo grita alto seu hino no meio da delirante noite de sábado.

Continuo preso no etéreo questionando justamente o valor do vazio para os "vampiros da noite".


sábado, 25 de abril de 2009

O violino e a paixão

Um ensaio de vozes saindo do ninho, aquecidas por um impulso fervoroso e sangüíneo. Preparativos para um ritual mágico de cunho didático. Envolvidos num processo cheio de viezes e abarcando um conjunto de pensantes, acima de tudo, amantes da sábia e velha arte. Dos que representam suas intencionalidades projetadas no arcabouço de uma estrutura física. Daqueles totalmente absorvidos pelo estrépito sinuoso de tocar a alma pelo simples contato com as cordas dos instrumentos.

Entre tantos pensantes, eis que se figura um apaixonado pelas teorias, de comportamento aquietante, com um instrumento nas mãos.
Passam dias. Dias passam. Começo então a manter uma séria afinidade com o instrumento de som marcante. A princípio parecia ser apenas um simples violino, engraçado, inteligente, divertido. Além disso, descobri que esse violino não é tão simples assim.
Possuidor de um espírito questionador, ativo e perspicaz, objetivo pelo menos ao que parece.

Maestria no contato físico com o seu toque em cada acorde de som.

Sempre gostei de sensibilizar-me com a música, especialmente com os instrumentos de corda. Sei que o destino, o tempo e a vida são construções de um teor de decisão de cada vivente. E por isso, imbuído do desejo irrefreável de estudar todos os pormenores desse clássico e lindo instrumento, me pus a observar sua constituição física, suas curvas, suas cordas, a sua acústica, o seu percurso na história.

Ciente da existência dele, eu posso crer na possibilidade de um caminho de prazer, de alegria, de convivência. Quem sabe tocando profundamente nas cordas do seu ser tão sensível eu possa produzir um som puro e harmonioso e cante com minha alegria essa conquista?

Quero certamente ser agraciado com uma execução perfeita. Senão perfeita, ao menos eivada de um conceito que eleve a minha alma.

Sempre quis saber sobre a brevidade da vida, mas percebo que precisamos viver cada momento. Quero vivê-los com você e sair por aí me arriscando nos emaranhados da estrada.

A paixão não é um fogo agradável, consome nossos momentos de forma avassaladora. Quer dominar e tem medo do imprevisível. Cria desenhos irreconhecíveis na mente da vítima e acaba por destruir o alvo e sua presa. Que essa flama não pense sequer em dar repouso no meu propulsor vital. Gosto sim de um ritmo natural, passo a passo sendo conquistado, conhecimento quotidianos.

Solidão Literária.



ESTOU SOZINHO.

EM MEIO A UMA NUVEM DE PENSAMENTOS

DILACERADAMENTE, SOU IMPELIDO A RASGAR

O VÉU DO MEU PESAR, A PULSAR O VERBO

DA MINHA CARNE, A RANGER SILENCIOSAMENTE

O UIVO DO MEU DESEJO, A CALAR DIANTE DO MEU

HORROR TÃO ACABRUNHADO.

NO SILÊNCIO INCONTIDO EMERGE A VOZ DE TODAS

AS VOZES SEQUIOSAS POR UM SIBILAR ECOANDO

NO LIMIAR DO TEMPO.

ESTÁTICO,

OBSERVO AO MEU REDOR.

NÃO HÁ NADA.

OLHO NOVAMENTE.

CUSTO A ACEITAR.

ESTOU SÓ.

À MINHA FRENTE SOMENTE VEJO

DUAS PILHAS DE LIVROS DESORDENADOS.

CADA PILHA EM SUA ESTRUTURA DISFORME

ENLEVA-ME,

DISTRAI-ME EM SUA DISPOSIÇÃO ASSIMÉTRICA.

DIVAGO DIANTE DA POSSIBILIDADE DA REFLEXÃO

ACERCA DO CONTEÚDO.

OUÇO APENAS CADÊNCIAS RÍTMICAS DO CORAÇÃO

MISTURADAS AO MOVIMENTO PULSANTE DA MINHA

RESPIRAÇÃO.

MEUS PENSAMENTOS VOAM.

QUERUBIM DOS MEUS AFAGOS,

ÂNSIA DAS MINHAS INCERTEZAS,

PARÂMETRO DO MEU FUTURO.


CONTINUO SÓ.

OS LIVROS ENTOAM UM CÂNTICO DE SÁBIAS VOZES.

CONVIDAM MEUS PENSAMENTOS A APORTAREM NO

RECÔNDITO PAPEL

SOU TRAGADO POR SUAS PÁGINAS.

VIRO HISTÓRIA PARA OUTROS SOLITÁRIOS NA NOITE.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O Sopro, Chronos e o Devaneio

Somente um sopro. Ofegante, tento aos poucos recuperar o fôlego diante de tamanha agonia que perpassa muito além do simples instante, esse filho do tempo, devorador dos segundos.

Linha tênue como a que vemos ao longe diante do horizonte a separar a morada das nereidas, império do rei Netuno, do diáfano azul, a imensidão celestial, redoma do orbe que agrega como companheiras as miríades de gotículas de água em forma de vapor a condensar-se sorrateiras na atmosfera.

Muito além do portentoso e complexo conjunto de conjecturas, o elemento constante das minhas construções mentais conscientes, num só átimo, estanque, se dissipa. Como a última gota de um rubro líquido de uma veia cerebral recém-cortada.

O movimento que até então se dissipara, recomeça intenso contemplando nesse ínterim uma nova instância. Parece corriqueira, familiar, mas projeta seus anseios e reflete uma concretude estranha que me enleva a posição de aventureiro, simples mortal na casa de Chronos, esse detentor das chaves do tempo.

Este ancião aparentando um jovial moço aproxima-se decidido, mas quando eu estava de prontidão a esperar pela sua reprimenda por estar em seus domínios, indelevelmente, ele foge. Eis que os meus secretos processos inconscientes emergem; regurgitam involuntariamente causando assombro. Fico ali à mercê dos seus caprichos.

Surge no vão estreito desse incontido sentimento labiríntico, emaranhados de dúvidas, de porquês e quês sufocando a mente sem sossego na ânsia tremenda por obter respostas.

Cá nesse mundo conturbado sou prisioneiro. Nada se conecta de imediato. As conexões aos poucos são projetadas numa tela imensa, de proporções assustadoramente gigantescas, onde se instalam milhares de imagens montadas que se auto-destroem ininterruptamente para formar novas e incompreensíveis estruturas, semelhantes a um caleidoscópio. Num movimento único, de repente, as mesmas imagens se auto-congelam para somente reiniciarem seus movimentos a partir do acaso permitido por alquimia do tempo, recôndito, incógnito, impossível.

Cada tentativa de sorver o ar me arrebata. Um som distante, quase imperceptível chega aos meus ouvidos. Paulatinamente percebo a presença de alguém, mas não posso captar imagem alguma com meus olhos, apenas traduções fragmentadas de imagens totalmente embaçadas à minha frente. Automaticamente sou impelido a refletir acerca de quem sou. Aquela conturbada sensação fez estremecer a estrutura desse homúnculo, vítima da ampulheta, reduzido a trezentos mil estilhaços de gente ao ser arremessado contra aquela parede de poeira cósmica que Chronos ajunta com os pés.

Aparece uma imagem na tela. Como mágico momento, percebo triste que agora sou mil, ou melhor, trezentos mil pedaços colados de maneira disforme sob a tela. Capto uma nova atmosfera quando levanto meus olhos ao infinito. Estou num arpoador. Um lugar triste, solitário e incomensurável para um mortal se aventurar sozinho. Em meio a essa nova paisagem, ouço a minha voz: “Que conflito é esse que construí diante do templo do tempo, esse mago de passos ligeiros que congelou os ponteiros do meu ancestral contador de histórias insanas e mágicas? Vou dormir um pouco, talvez eternamente. Quem sabe se nesse espaço de tempo, o mago do orbe, um dia não acorde ao meu lado e me acompanhe no arpoador?”

Em determinado flash de fuga reportei-me ao mesmo local repleto de novas e encantadoras atmosferas. Uma algaravia imensa colocou-me em total prontidão. Num arrebol fantástico, entes luminosos surgiram no céu fazendo piruetas esvoaçantes, desfilando suas cores e produzindo formas majestosas com suas luzes coloridas que seduzia o ar, o mesmo combustível que me fez agonizar. O mar aplaudia aquele espetáculo e parecia agradecer com um largo sorriso ao deixar refletir em seu espelho magistral os incontáveis pontos de luz que essas mesmas imagens produziam.

Observo vagarosamente cada ponto de fuga movendo-se rapidamente numa convergência nítida a formar novamente a imagem total, o arpoador. Outra vez sinto uma familiaridade, porém não consigo perceber esse pertencimento. Os entes transitam pelos ares sem esboçar sequer um mínimo cansaço. Eu, cá estou parado. Parece que fui de algum modo congelado. Meus sentimentos represados imploram por uma vazão. Nenhuma expressão.

Os meus olhos conseguem ver outras criaturas, mas elas estão desfocadas, distantes. Inalcançável semelhança que perpetua no meu cérebro. A imagética semelhança porventura martela sem parar seguindo uma curva desconhecida. Paulatinamente vou descortinando os meus referencias do mundo de lá. Cá estou. Além e aquém de mim mesmo. Apenas um sopro. Um longo suspiro sôfrego no meio do vento sufoca meu maior desejo e vivo cada segundo agonizando nesse meio aquoso. Olho para o cume da montanha e avisto Chronos. Em seguida meu fôlego foi diminuindo cada vez mais e quase sufocando, acordei todo suado. Ufa! Era apenas um sonho.