sexta-feira, 24 de abril de 2009

O Sopro, Chronos e o Devaneio

Somente um sopro. Ofegante, tento aos poucos recuperar o fôlego diante de tamanha agonia que perpassa muito além do simples instante, esse filho do tempo, devorador dos segundos.

Linha tênue como a que vemos ao longe diante do horizonte a separar a morada das nereidas, império do rei Netuno, do diáfano azul, a imensidão celestial, redoma do orbe que agrega como companheiras as miríades de gotículas de água em forma de vapor a condensar-se sorrateiras na atmosfera.

Muito além do portentoso e complexo conjunto de conjecturas, o elemento constante das minhas construções mentais conscientes, num só átimo, estanque, se dissipa. Como a última gota de um rubro líquido de uma veia cerebral recém-cortada.

O movimento que até então se dissipara, recomeça intenso contemplando nesse ínterim uma nova instância. Parece corriqueira, familiar, mas projeta seus anseios e reflete uma concretude estranha que me enleva a posição de aventureiro, simples mortal na casa de Chronos, esse detentor das chaves do tempo.

Este ancião aparentando um jovial moço aproxima-se decidido, mas quando eu estava de prontidão a esperar pela sua reprimenda por estar em seus domínios, indelevelmente, ele foge. Eis que os meus secretos processos inconscientes emergem; regurgitam involuntariamente causando assombro. Fico ali à mercê dos seus caprichos.

Surge no vão estreito desse incontido sentimento labiríntico, emaranhados de dúvidas, de porquês e quês sufocando a mente sem sossego na ânsia tremenda por obter respostas.

Cá nesse mundo conturbado sou prisioneiro. Nada se conecta de imediato. As conexões aos poucos são projetadas numa tela imensa, de proporções assustadoramente gigantescas, onde se instalam milhares de imagens montadas que se auto-destroem ininterruptamente para formar novas e incompreensíveis estruturas, semelhantes a um caleidoscópio. Num movimento único, de repente, as mesmas imagens se auto-congelam para somente reiniciarem seus movimentos a partir do acaso permitido por alquimia do tempo, recôndito, incógnito, impossível.

Cada tentativa de sorver o ar me arrebata. Um som distante, quase imperceptível chega aos meus ouvidos. Paulatinamente percebo a presença de alguém, mas não posso captar imagem alguma com meus olhos, apenas traduções fragmentadas de imagens totalmente embaçadas à minha frente. Automaticamente sou impelido a refletir acerca de quem sou. Aquela conturbada sensação fez estremecer a estrutura desse homúnculo, vítima da ampulheta, reduzido a trezentos mil estilhaços de gente ao ser arremessado contra aquela parede de poeira cósmica que Chronos ajunta com os pés.

Aparece uma imagem na tela. Como mágico momento, percebo triste que agora sou mil, ou melhor, trezentos mil pedaços colados de maneira disforme sob a tela. Capto uma nova atmosfera quando levanto meus olhos ao infinito. Estou num arpoador. Um lugar triste, solitário e incomensurável para um mortal se aventurar sozinho. Em meio a essa nova paisagem, ouço a minha voz: “Que conflito é esse que construí diante do templo do tempo, esse mago de passos ligeiros que congelou os ponteiros do meu ancestral contador de histórias insanas e mágicas? Vou dormir um pouco, talvez eternamente. Quem sabe se nesse espaço de tempo, o mago do orbe, um dia não acorde ao meu lado e me acompanhe no arpoador?”

Em determinado flash de fuga reportei-me ao mesmo local repleto de novas e encantadoras atmosferas. Uma algaravia imensa colocou-me em total prontidão. Num arrebol fantástico, entes luminosos surgiram no céu fazendo piruetas esvoaçantes, desfilando suas cores e produzindo formas majestosas com suas luzes coloridas que seduzia o ar, o mesmo combustível que me fez agonizar. O mar aplaudia aquele espetáculo e parecia agradecer com um largo sorriso ao deixar refletir em seu espelho magistral os incontáveis pontos de luz que essas mesmas imagens produziam.

Observo vagarosamente cada ponto de fuga movendo-se rapidamente numa convergência nítida a formar novamente a imagem total, o arpoador. Outra vez sinto uma familiaridade, porém não consigo perceber esse pertencimento. Os entes transitam pelos ares sem esboçar sequer um mínimo cansaço. Eu, cá estou parado. Parece que fui de algum modo congelado. Meus sentimentos represados imploram por uma vazão. Nenhuma expressão.

Os meus olhos conseguem ver outras criaturas, mas elas estão desfocadas, distantes. Inalcançável semelhança que perpetua no meu cérebro. A imagética semelhança porventura martela sem parar seguindo uma curva desconhecida. Paulatinamente vou descortinando os meus referencias do mundo de lá. Cá estou. Além e aquém de mim mesmo. Apenas um sopro. Um longo suspiro sôfrego no meio do vento sufoca meu maior desejo e vivo cada segundo agonizando nesse meio aquoso. Olho para o cume da montanha e avisto Chronos. Em seguida meu fôlego foi diminuindo cada vez mais e quase sufocando, acordei todo suado. Ufa! Era apenas um sonho.

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